capitães de areia

O que diferenciava Jonas dos demais meninos da comunidade era o fato dele não se sair muito bem em nenhum dos esportes praticados pelos garotos e ter chegado aos 13 anos sem nunca ter beijado uma única garota, tornando-se assim alvo de grande gozação. Todos brincavam, mas não passava disso, brincadeiras. Sabiam que foi graças ao Jonas que os dois filhos mais novos da comadre Sebastiana não foram surrados pelos pivetes da rua do sebo. A estória de que, com seu canivete, havia defendido seus colegas se espalhou pelo bairro fazendo com que a maioria dos moleques da comunidade o respeitasse por isso.
Nas tardes em que não era obrigado pela mãe, zefa, a estudar para as provas da escola, Jonas, junto com Naldinho e Iracildo, seus dois grandes amigos, se enfiavam dentro da mata em busca de frutas e aventuras, do cheiro do mato, do gosto doce das águas dos rios que cercavam sua comunidade. Sempre faziam isso quando, depois do almoço, sentiam-se entediados pelo sol da tarde. Era como se a única opção fosse fugir para a mata, descer suas ribanceiras, pegar suas frutas, pescar seus peixes; correr pelas bancadas de areia com a maré seca, meter fundo o braço na lama em busca dos caranguejos que lá se escondiam.
Eram assim, eram meninos homens, cheio de pequenas sabedorias, sabiam das chuvas, dos ventos, conheciam as marés, sabiam quando eram olhados com maldade, a reconheciam a tempo de cuspirem no chão e partirem para briga ou fugirem dela. Conheciam como poucos os buracos da cidade e corriam feito meninos loucos através dos sítios e quintais, pelas trilhas feitas na mata pelos caçadores, pescadores, candomblezeiros. Descobriam os melhores jenipapos, jacas, mangueiras, quase nunca voltavam com as mãos vazias. Mesmo sujeitos às quase sempre severas surras de seus pais nunca desistiam de se aventurar e sentiam-se orgulhosos ao entregar os peixes e caranguejos pegos, tornando-se assim Meninos-Homens, co-responsáveis pela sobrevivência da família.
A maioria das crianças do bairro ou já tinha largado a escola ou nunca a havia frequentado, em vez disso, com cestos nas pequenas cabeças, vendiam pães e temperos pelas ruas do bairro. Muitos deles iam todos os finais de semana para feira da cidade onde podiam ganhar alguns trocados como flanelinha, cometendo pequenos furtos ou transportando os carrinhos de mâo carregados com as compras das senhoras de volta as suas casas. No dia seguinte acordavam cedinho para levarem seus pássaros para foguear no mato, penduravam as gaiolas em alguma cerca ou galho mais baixo e ali permaneciam até o sol ficar mais forte, comentando as aventuras passadas, imitando o canto de alguns pássaros, subindo em árvores como macacos e lagartixas e de lá avistando a cidade na outra margem do rio enquanto sonhavam com os anúncios televisivos que começavam a entrar na maioria dos lares. Não demoraria muito e estariam se aventurando fora dos limites da cidade.

Comentários

Fabio Tihara disse…
hummmm...senti um cheiro meio auto-biografico hein!!!heheheheheheheheheh definitivamente voce tem o dom!!!abraço

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