Regresso

Desesperado regressei mais uma vez à sala de máquinas na tentativa de acertar os ponteiros, ajustar os mecanismos, lubrifica-los mais uma e outra vez, precisávamos que atendessem correspondentemente cada um as suas funções, delas dependiam a refrigeração da engrenagem toda que juntas à quatro gigantes motores moviam aquela besta sob os mares.  Naquela tarde nos sentimos pequenos entre as imensas ondas, era nossa primeira viagem e calhou de estarmos em meio a uma tempestade no pacífico, após horas resistindo e alguns minutos antes de naufragarmos nos lançamos quase todos ao mar em quinze pequenos barcos, havíamos de sobreviver à aquela abominável tormenta. Ofélia!! Pontus!! Os gritava com todo o meu corpo, os ví sendo içados, deviam estar feito loucos em minha busca.  Que noite escandalosa, não faz dois dias e a lua havia nascido gigante a esquerda daquele navio de carga de bandeira grega onde há duas semanas trabalhávamos feito escravos como auxiliares de tudo, chegamos a até escavar minérios de ferro dos porões. Segundo o noticiário no ano passado mais de trezentos mil imigrantes arriscaram a vida no mar mediterrâneo tendo como objetivo alcançar a Europa, oriundos de regiões como o Médio Oriente, Norte da África e África Subsaariana, especialmente de países como Síria e Eritreia. Ofélia e Pontus haviam nascido e crescido em San Sebastian e o meu visto francês só não me permitia trabalhar mas me deixava circular livremente por seis meses dentro da Europa.   Havíamos errado feio na escolha de um navio para o Japão, tínhamos que ter esperado mais alguns dias, navegantes de algum veleiro ou barco de luxo entre todo aquele frenesi iriam de nos aceitar a bordo juntos os três. Ao todo 11 dias passamos em Gibraltar, sete deles dormidos na pensão de uma matrona Argelina que com seus enormes olhos negros nos explicava, enquanto lambíamos os dedos com sua comida, sobre os conflitos entre Árabes, Muçulmanos e Católicos. A noite vagávamos pelo centro, becos e vielas da zona portuária em busca de algo que nos surpreendesse pela sua originalidade. Estivemos duros por tantos lugares fantásticos. Entre o final de agosto e novembro, com bicicletas emprestadas, mochilas e uma minúscula barraca costeamos quase todo mediterrâneo espanhol. Nos atrevíamos em tudo, dormíamos onde desse, na praia, albergues da prefeitura, a festa acontecia onde estávamos e homérica quando vendíamos bem algumas das nossas pinturas. Geométricas, usando somente cores primárias e as vezes carvão, flertávamos alucinados com o neoplasticismo de Theo Van Doesburg e o suprematismo de Malevich e Maiakovski, como o amávamos. Reproduzíamos quase sempre Travestis, ébrios trapaceiros, prostitutas, vira latas, velhos marinheiros, fugitivos da noite sob a vigilância da lua.  No final o que ganhávamos convertíamos em vinhos, cigarros ou em alguma outra droga. Entre os mais baratos um vinho italiano  de 1,60 euros chamado Punga e vendido pelos Páquis era o nosso favorito. Extasiados defendíamos que pela qualidade ele poderia ser vendido pelo mesmo preço de um Beaujolais, apesar de que em alguns lugares, para nossa ira, somente o encontrávamos a 7 euros.  



OSMundo 


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