Razôes


Em meu caso, o suicídio seria um ato de bravura, covarde seria sobreviver esperando a velhice sem nunca ter alcançado realmente ser o que se sonhei. Sinto-me cansado de somente sonhar ser esse alguém que mais do que nunca tenho certeza que não serei. Um tiro na cabeça contra a parede,
através da boca escancarada, chego a sentir o gosto do metal e da pólvora. Assim deixaria esse nada que me tornei, esse vazio ambulante, árvore sem sombra. Os corações evoluíram para amar, coisa que acredito nunca entenderei ao certo o que significa. Esse instrumento em mim parece ter se danificado por mal utilização ou coisa parecida. A saudade, esse sentimento fruto do amor, em mim não se manifesta como na maioria. A sinto muito pouco ou nada. A moral me exige etiquetas e assim vou padecendo por não atendê-las. Passam se meses, anos e o tempo vai se encarregando de tornar tudo memória. Por isso eligo esta a primeira das Razões de querer suicidar-me. Por não sentir saudade.

A segunda seria a preguiça. Esta aos pouco e contra minha vontade vai em mim enchendo de horas vazias o meu estar. Me está aos poucos vencendo o não querer, o não desejar, o não fazer, o não concluir, o deixar rolar, e assim o meu corpo vai imprimindo sua marca pesada no colchão desse quarto dessa pensão. Há semanas que tudo me molesta, o sol, os pássaros, a felicidade alheia, as flores… quero que tudo siga sem mim, inclusive meu medíocre trabalho, o deixo à sorte, chego a torcer que me dispensem, basta de mim, desse sorriso, desse falso otimismo. Falso, tudo em mim é falso e dispensável. Ao mundo pessoas como eu não fariam falta, nada fazemos em função do coletivo, pouco ou nada pela família e amigos. As mulheres que me amaram perderam seu tempo. Fui consumido pelo calor das paixões, sofri pela insegurança de um beijo não dado, de uma palavra não dita, de um olhar sem retorno. Mas o que tudo isso tem haver com a Preguiça? Sim, tem tudo haver. Poderia ter sido tudo que desejei se tivesse me dedicado mais aos detalhes que esculpem a vida de um vencedor. Em vez disso exercitei a procrastinação, prima da preguiça e irmã da culpa e do arrependimento. A preguiça em mim se externa em caráter boêmio, romântico, sob o charme da juventude e disfarçada de liberdade. A única rotina que gostaria de ter parece estar disponível somente aos que alguma fortuna herdaram ou conquistaram. Gosto do movimento de chegar e partir, de vestir-me de maneira pessoal, de casa de pé direito alto com varanda e árvores frondosas no quintal. Do jeito que estou o que me espera é um lugar qualquer, anônimo e sufocante, de janelas pequenas, miserável. Prefiro morrer antes, queimo todo o vigor que me resta em dez anos de muitas farras. Pronto! Que se danem. Sim, sou egoísta! E daí? A vida de outros dependem da minha existência? Que pesado perceber as coisas dessas forma. Quem possui sua existência atrelada a minha? Família, amigos...? Porquê isso agora? Me restaria viver para fazer com que a vida deles seja mais plena ou seja lá o que for o'quê a minha existência neles possa significar? Que grande monte de merda a cada dia descubro que me tornei. Esse bendito coração assim trabalha, desconectado do mundo real, vive a deriva soprado pela imaginação, biografias e idealismos românticos mortos na praia dos 40. Onde já se viu acontecer criativamente após os 40? Que inferno, que desgraça, que solidão. Morro ao ver alguém brilhar durante os 20, que época fantástica para ser reconhecido, abusar de toda a atenção e reconhecimento e das muitas vaidades do espírito. Isso mesmo, estou falando em Sexo, drogas, música, comidas, roupas, cinema, teatro, viagens de todo gênero. Agora aos 40 após um orgasmo necessito horas para me recompor, que saudade do vigor dos meus 20, 30 e tantos. Que maravilha é satisfazer bem todas as necessidades fisiológicas. Pobre do ser humano que já não caga, mija, come e transa com vigor.

Com toda essa dificuldade para se conquistar um bom salário mal consigo rever periodicamente minha família, surpreender com minha presença algum amigo… Mas vocês podem dizer: Ah, você disse que não sente saudade!... Sim, aprendi a controlar-la para poder ir mais longe, trilhar novos caminhos, experimentar novas culturas, novas paixões, amores, portos, quintais… gosto de ir e de voltar, saudade não tem nada haver com isso. Sou um exibido. Volto para mostrar que posso e vou por que já não posso ficar. Gosto de gostar das pessoas, dos lugares, das coisas… com o tempo vou gostando de outras e assim a roda vai girando sem eixo ladeira abaixo vida afora. Tenho dificuldade em ser profundo, sincero, honesto, em cumprir com promessas. Por isso mesmo acredito não ser de muita utilidade vivo. 

Outra razâo pela qual me suicidaria seria para não ter mais que ver alguém fazer sucesso com ideias que já tive. Existe incomodo maior? Sim, existe a desgraça de sentir não ter dito tudo o que gostaria durante um desaforo. Que câncer! Esse tal de inconsciente coletivo, essa conexão bandida, pirata, escamoteia o íntimo do nosso ser e nos disponibiliza em rede as melhores ideias para que sejam colocadas em pratica por alguém com mais afinco, perseverança e tenacidade. Assim se fazem as fortunas, os famosos, as músicas e filmes mais lindos. Através do roubo inconsciente das melhores ideias. 

O último motivo para suicidar-me seria para não ter que escutar que eu deveria ter tentado mais, ter me esforçado mais, ter focado mais, ter estudado mais… tudo isso que deslumbradamente de um familiar ou amigo boca afora pode sair após um acesso cruel de lealdade. Tem coisa pior do que escutar o que você já está cansado de saber?  Por tudo isso acredito já estar morto e enterrado e o que vcs agora leem foi escrito por  alguém que inconscientemente à minhas ideias se conectou. Nem depois de morto tenho paz.


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