Rapaz, esse mundo é tâo doido!

Engraçado como as novelas da globo me fizeram acreditar que o Brasil era feito apenas de Ipanema à Lapa, com alguns toques de comunidades como Vidigal e rocinha e que Manuel Carlos era uma espécie de deus. Até aí nada mal, parecia está tudo em ordem me divertia em ver as pessoas do bairro incorporando no dia-dia os personagens das novelas de maior audiência. Mesmo sabendo que suas vidas eram novelas muito mais surreais, iam deixando aos poucos seus costumes serem trocados por aquelas fantasias televisionadas onde os núcleos pobres sempre eram na maioria das vezes, digamos, ricos. Isso mesmo! Eu achava que O Rio, e até mesmo o restante do Brasil, não tinha motivos pra falar de pobreza, não. O bairro Teotônio Vilela (Periferia situada em uma linda cidade do sul da Bahia chamada Ilhéus, lugar onde morei uma boa parte de minha infância e adolescência), este sim, sempre foi minha referência de miséria e esquecimento. O bairro foi formado nos anos 80 devido ao êxodo rural ocasionado pela dizimação das lavouras de cacau, provocada pela praga da vassoura de bruxa, de toda região cacaueira. Fato que acabou promovendo um impacto social que mudaria o destino de milhares de pessoas por todas as regiôes por onde a praga passou. Minha família, e uma boa parte das que nós conhecíamos, encontravam-se em situação parecida. Os Problemas iam desde a falta de água potável, rede de esgoto, escola, postos de saúde, moradia, (não vou aqui me referi à segurança porque, mesmo com todos os problemas que existiam no bairro, preferíamos não ter a presença da policia e suas técnicas nada convencionais por lá), emprego... Todos esses problemas que cada vez mais temos visto. Chegávamos da escola e enquanto almoçávamos víamos um Brasil pela TV que nos fazia sonhar com um país onde toda mulher fosse loura, todo carro wolkvagem e que todos os cidadãos fossem cariocas ou Paulistas, o restante do povão era chamado por adjetivos como Paraíba, Baiano e por aí vai. Os livros que eram distribuídos nas escolas públicas também não eram diferentes, negligenciavam toda uma história de sofrimento, lutas, conquistas, religiões, costumes e o que mais pudesse ser de nosso interesse. Lembro de alguns moleques do bairro perdidos em meio à mudança de opção religiosa que seus pais e avós eram levados a fazer devido a demonizacâo dos costumes Afros pela igreja; e lembro também das meninas tentando deixar seus cabelos, tidos como ruim pelos amigos e até mesmo pelos pais, parecidos com o da atriz principal da novela das seis, sete, oito ou com os da Xuxa. Nunca se fizeram tantas chapinhas e se venderam tantos cremes na Bahia.
Na hora do almoço ficávamos lembrando do peito de peru anunciado pela TV. Nossa!!! Aquele panetone devia ser tão gostoso! E aquela casa onde os filhos do ator principal moravam era um espetáculo! Todos aqueles brinquedos, roupas bonitas, hum mm!! E aquele candidato a presidência, esse sim deveria ser o presidente do Brasil! Assistia àqueles comerciais e novelas enquanto comia meus dois pães com manteiga e um pouco de café com cada vez menos leite. Minha mãe comia o dela enquanto sonhava com uma cozinha parecida com a que Regina Duarte contracenava ou com o marido que o Antônio Fagundes ou o Tarcísio Meira interpretava. Na verdade eu sabia que existiam famílias com casos bem mais difíceis na mesma rua onde eu morava, não eram poucas as estórias que escutávamos sobre crianças com anemias, verminoses, cólera, espancamento de filhos e mulheres por parte de pais alcoólatras, desempregados e desesperados. A sorte de muitos que ali moravam era que existia abundância de peixes nos rios, de mariscos nos manguezais, de frutas no pouco da mata atlântica que ainda existia e muita, muita criatividade popular para vencer as dificuldades. Não foi fácil, mas sobrevivi e hoje me encontro há dois anos morando na cidade do Rio onde quase todos os dias vejo o quanto esconderam de nós. Nos fizeram acreditar em uma cidade dita maravilhosa, onde tudo girava em torno da praia, futebol, Bossa nova, Carnaval, mulheres ditas lindas e das noites movimentadas de casas cada vez mais noturnas. Não. Não é só isso. A geografia do rio não consegue mais esconder a magnitude dos seus problemas. Tiraram-nos o direito de ver o quanto somos pobres e famintos, nos levaram a acreditar que éramos cafonas, ridículos. Fizeram-nos salivar com as imagens de mesas fartas e coloridas, tentaram nos deletar através da vinculação dos costumes de uma minoria. Não quero aqui parecer que estou sendo xenófobo, adoro a antropofagia poética da tropicália, adoro deglutir e vomitar coisas novas, mas daí a nos impor padrões e nos tirar o direito de saber o rumo que as coisas estavam tomando, não, isso eles não podiam fazer. Soa até meio ingênuo ou maluco, depende do ponto de vista de cada um, estar dizendo isso, mas parece que nos esconderam o crescimento das favelas, os desfalques promovidos pelos nossos políticos e banqueiros em estado de contínua festa, a expansão da violência e diversos outros problemas para poderem usarem logo depois como moeda de troca no jogo sujo da manipulação política e para estampar as páginas de jornais cada vez mais ricos e felizes com a quantidade de "notícias" para divulgarem. Como diz lá na Bahia meu avô Antônio Queiroz com seus 85 anos de pura sabedoria: Rapaz, esse mundo é tão doido! E que me perdoe a gramática por assassiná-la, vamos pra frente.

Comentários

Fabio Tihara disse…
Infelizmente essa realidade é camuflada pelos interesses do Plim Plim...texto inspirador!!!parabens e continua a luta!!!avante!!!
Anônimo disse…
Enxergar tudo isso já é um grande passo para sair dessa escuridão!!Parabéns pelo blog...adorei!!

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